Brasanha https://www.brasanha.de UM OLHAR BRASILEIRO SOBRE A VIDA NA ALEMANHA Wed, 28 Feb 2024 11:16:09 +0000 de-DE hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.4.3 https://www.brasanha.de/wp-content/uploads/2018/07/cropped-favicon-32x32.png Brasanha https://www.brasanha.de 32 32 Excursão escolar na Alemanha https://www.brasanha.de/excursao-escolar-na-alemanha/ Wed, 28 Feb 2024 11:16:09 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1206
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Minha mãe me ligou e perguntou:
– E daí, o Samuel chegou bem, está bem?
– Não sei, ele não pôde levar celular, respondi.
– Mas a professora não deu notícias, não ligou para avisar se chegaram bem, se estão bem acomodados?
– Não, não ligou e nem vai ligar. Ligações só em casos de emergência.
– Mas vocês vão ficar toda a semana sem notícias dos filhos? perguntou ela incrédula.
– Sim, vamos. Aqui é desse jeito. A gente entrega os filhos e confia que vai dar tudo certo.
– E reza, acrescentou minha mãe. Que coisa séria…para nós no Brasil ficar sem notícias dos filhos é impensável, inconcebível. concluiu ela.

O diálogo se refere a uma excursão da escola, na qual o meu filho (13 anos) está participando esta semana.

Todas as turmas da 7a série tem, no currículo escolar do estado da Baviera, uma semana de curso para aprender a esquiar. Participar desta semana de aulas de esqui não é obrigatório, mas muito recomendado, de modo que a grande maioria dos alunos participa.

O curso, acomodação, transporte e refeições são organizados pela escola e pagos pelos pais dos alunos. Este ano a excursão custou 420€ (todo o pacote) mais o aluguel do equipamento de esqui (50€/5dias) para quem não o possui. Para as famílias que não têm condições financeiras de proporcionar isso aos filhos, há a ajuda da Associação de Pais da escola, que cobre (em parte ou totalmente) o valor.

Além de aprender e praticar o esporte em si, excursões incentivam o convívio social, a independizaçāo, a resolver problemas sozinhos em um ambiente estranho.

Não é só para alunos da 7a série que estas excursões são oferecidas. Na 6a série ele já foi com a turma da escola numa excursão de três dias para fazer caminhada nas montanhas. Também faz parte do currículo escolar. Quanto mais idade as crianças têm, mais longas e distantes são as excursões escolares.

Além disso, há algumas escolas primárias, que também fazem excursões com seus pequenos alunos.

Nas férias escolares, há muita oferta de acampamentos juvenis ou colônia de férias.

Em todos eles, as crianças não podem levar celular ou algum tipo de aparelho eletrônico.

Os pais têm somente o telefone da professora/professor responsável e endereço do local.

Os responsáveis pelos alunos só entram em contato em caso de emergência, ou, obviamente, se a criança pedir para ligar, sentir saudades, medo e querer voltar mais cedo para casa.

E sim, você fica sem notícias de seu filho. Como diz o ditado: „notícia ruim chega logo“. Então o jeito é entregar, confiar e rezar.

Larissa d’Avila da Costa – Gilching, fevereiro 2024

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Histórias de Natal na Alemanha – O presente devolvido https://www.brasanha.de/historias-de-natal-na-alemanha-o-presente-devolvido/ Wed, 29 Nov 2023 10:36:53 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1200
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Martha era estudante quando foi convidada para passar o Natal na casa da família do namorado alemão.

Ela já conhecia a familia, mas nunca tinha passado esta ocasião com eles. Com certa antecedência, começou a pensar nos presentes que ofereceria a todos, já que na Alemanha não existe a tradição do amigo secreto e cada pessoa recebe uma lembrancinha de cada um.

Martha já havia ouvido os sogros comentarem que gostavam muito de presunto hibérico, e, vendo um pernil destes em promoção em um supermercado, achou que seria um bom presente para os anfitriões. Para os cunhados, cunhadas e sobrinhos fez o grande esforço de comprar algo significativo, mas que não custasse muito, já que de lembrancinha em lembrancinha, vai-se um bom dinheiro.

No dia 24, após o jantar, chegara o esperado momento da troca de presentes. A árvore de Natal natural, impecavelmente decorada, iluminada com velas, estava linda. Martha encantou-se com a decoração natalina cheia de detalhes e todos os presentes embalados lindamente dispostos debaixo da árvore. Cada pessoa da família tinha um lugar debaixo da árvore onde estavam depositados seus presentes.

Ao observar os pacotes dos outros membros da família, Martha já teve uma sensação estranha, um certo desconforto por suas embalagens não estarem tão lindamente decoradas com laços, fitas e papel especial.

O seu desconforto aumentou à medida que foi recebendo os presentes e percebendo que todos tinham sido confeccionados por quem os oferecia. Ganhou gorro e cachecol feitos a mão pelas cunhadas e sogra, geléia e biscoitos feitos pelos cunhados e crianças, presentes simples, mas de muito significado, pois as pessoas tinham tomado o seu tempo pensando nos presentes e confeccionando-os.

Em contrapartida, os seus eram todos comprados e embrulhados sem muito esmero. Sentiu-se deslocada, apesar de os familiares demonstrarem que haviam gostado dos presentes oferecidos por ela.

Passada as festividades, foi embora para casa e seu namorado ainda ficou mais uns dias na casa dos pais. Quando ele retornou, trouxe consigo o pernil hiberico que ela tinha dado de presente para os sogros.

Ela ficou imensamente surpresa e já ofendida perguntou: “os teus pais devolveram o meu presente?” “Sim, mas não porque eles não gostaram, respondeu sem jeito o namorado, é porque eles ganharam um outro do meu tio e resolveram dar este para nós.”

Devolver um presente? Isso Martha nunca tinha visto! Passar adiante com discrição é uma coisa, mas devolver para quem o ofereceu é bem diferente. Martha não sabia o que pensar. Definitivamente uma enorme diferença cultural. Há muito o que aprender em terras estrangeiras.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching novembro 2023.

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Histórias de Natal na Alemanha – Confinamento natalino https://www.brasanha.de/historias-de-natal-na-alemanha-confinamento-natalino/ Wed, 22 Nov 2023 08:00:21 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1194
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Era o primeiro natal de Julia em terras teutônicas e ela foi convidada para comemorar a data com a família do namorado alemão.

A família morava num vilarejo, o qual não tinha acesso com transporte público. A programação natalina era passar sete dias na casa dos pais do namorado juntamente com os irmãos e suas companheiras. Dias sossegados, aconchegantes e em família, pensou Julia quando aceitou o convite.

Chegando lá, a primeira coisa que fizeram foi uma lista de compras e o planejamento das refeições para todos os dias que passariam juntos, pois, como não havia supermercado no vilarejo, teriam que comprar tudo o que precisavam para os dias seguintes na cidade mais próxima e lá não voltariam mais.

Quando Julia viu a quantidade de compras, ficou tranquila, com a certeza de que não passaria fome.

A programação de confinamento natalina era a seguinte: todas as manhãs tomavam café da manhã juntos e, para a surpresa e desespero de Julia, no café da manhã só eram servidas coisas doces como bolos e biscoitos. Um dos bolos tradicionais natalinos da Alemanha é o famoso Stollen, que é tipo um panetone só que bem mais baixo e um tanto quanto seco, geralmente com uva passas. O agravante da situação é que o Stollen servido na família era feito pela matriarca. Portanto, era uma ofensa se alguém o recusasse. Diante disso, Júlia, que, além de não gostar de coisas doces no café da manhã, tinha que comer e elogiar o bolo feito pela anfitriã.

Depois do café da manhã saíam para dar uma caminhada e pegar o tal do “frische Luft”, o ar fresco, sagrado para os alemães. Essas caminhadas ao ar livre são uma cilada para nós brasileiros: os alemães sempre dizem que é uma caminhada “rapidinha, de no máximo 20 minutos” e se alongam por horas. Fora que o “ar fresco” para eles é para nós “ar congelante”, visto que no auge do inverno a temperatura está perto ou abaixo do zero grau.

Além do frio, no seu primeiro passeio Julia logo percebeu o efeito do café no seu intestino. Como a caminhada era pelo campo, ela não teve o que fazer a não ser segurar e esperar chegar em casa.

Chegando de volta em casa, a mãe do namorado punha-se a cozinhar. Julia pensou: “ótimo, daqui a pouco sai o almoço”. Ledo engano, não haveria almoço, a preparação da comida era para a janta.

Como os pratos eram muito especiais e demoravam muito para serem preparados, a cozinha ficava ocupada pela mãe e seus ajudantes toda a tarde. Julia não tinha, portanto, a possibilidade de preparar um lanche. Cogitou sair novamente no frio e procurar uma lanchonete, restaurante, bar, qualquer coisa onde pudesse comprar alguma coisa para comer, mas a única coisa que tinha por ali era um Mc Donalds na saída para a estrada e ela teria que andar uns trinta minutos no frio. Desistiu da ideia e conformou-se em ficar com fome até o jantar.

Na manhã seguinte, Julia engoliu os bolos, mas não tomou café, pensando na caminhada matinal.

E assim passaram-se os dias de confinamento natalino: café da manhã, caminhada, à tarde, enquanto a mãe preparava a janta com alguém da família, os outros liam, dormiam, ouviam música. Havia sempre chá e biscoitos durante a tarde e assim aguardavam a janta, que eram sempre pratos bem elaborados como assados, ensopados, carne de panela.

Então, todos se fartavam de comer e beber para depois jogar algum jogo de tabuleiro juntos. Detalhe: não havia televisão na casa, então o passatempo era mesmo uns com os outros.

No ano seguinte Júlia foi novamente passar o Natal com a família do namorado. Mas desta vez foi prevenida: levou vários chips e lanches escondidos na mala e à tarde trancava-se no seu quarto com a desculpa de ter que estudar e fazia uma boquinha.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching, novembro 2023.

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Historias de Natal na Alemanha – A visita inoportuna https://www.brasanha.de/historias-de-natal-na-alemanha-a-visita-inoportuna/ Wed, 15 Nov 2023 08:00:41 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1188
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Sabrina se compadeceu com a sogra alemã, que passaria mais um Natal sozinha e resolveu convidá-la para passar a ocasião com eles, seu filho e netos.

A sogra, que mora na cidade vizinha, a 20 km de distância, foi convidada para passar os dias de Natal, que na Alemanha se estendem até o dia 26 de dezembro. A senhora aceitou o convite de bom grado.

Sabrina, portanto, começou os preparativos para a festividade: decoração da casa, ceia de Natal, almoço no dia seguinte, presentes, tudo para que a confraternização saísse linda e harmônica.

No dia 24, a ceia estava marcada para às 19 horas. Sabrina preparou tudo, mesa decorada e posta, presentes embaixo da árvore. As crianças estavam ansiosas para abrir os presentes, mas a avó não chegava.

Chegou com uma hora de atraso, o que é muito atípico na Alemanha, e, quando sentaram-se todos para jantar, a senhora disse que não iria comer, que estava sem fome.

Na verdade, a senhora estava ofendida porque a nora não tinha preparado o prato típico de Natal na Alemanha: salada de batata e salsichas bock aferventadas. Sim, este é o prato típico servido na ceia de Natal do dia 24. Ao contrário de nós, que festejamos o nascimento de Cristo com fartura, os alemães entendem que, como Jesus era um homem muito humilde e generoso, há que se comemorar o seu nascimento à maneira como ele viveu: modestamente.

A sogra alemã, diante da fartura dos quitutes preparados pela nora, sentiu-se ofendida e, sentada à mesa, não comeu nada. Volta e meia, oferecia as salsichas que tinha trazido consigo. Insistia em oferecer as salsichas-bock, e, Sabrina, já sem paciência, disse: nós temos comida suficiente e não queremos comer salsichas!

No dia seguinte, Sabrina esmerou-se no almoço: assou dois patos, cozinhou batatas e repolho, prato típico nos natais alemães. Na hora de comer, sua querida sogra foi até a cozinha e esquentou a marmita que havia trazido: pato assado com chucrute, exatamente o que a anfitriã tinha cozinhado com tanto esmero.

Surpreso, seu filho disse: “mãe, a senhora não precisa comer comida requentada, Sabrina cozinhou o suficiente para todos nós”. “Prefiro assim”, respondeu.

Como se não bastasse os importuitos das refeições, a visita, que estava planejada para dois dias e, chegando ao fim do dia 26, a senhora não dava sinais de querer ir embora.

Ficava somente em casa, sem sair, conversando com quem estivesse por perto, criticando o andamento da rotina ou assistindo televisão com o volume às alturas.

Sabrina, já arrependida da sua bondade natalina, trancava-se no seu quarto para poder ter um pouco de sossego ou ligava para uma amiga brasileira e lhe pedia: “fale comigo, seja o que for, não desligue o telefone, se a minha sogra me ver sem fazer nada, já vem me infernizar”.

Ao fim do quinto dia o seu filho lhe disse: “mãe, a senhora já arrumou a sua mala?”, “Sim, ela já está pronta.” “Então vamos, vou levá-la para casa.”

Depois da visita, a família inteira só queria sossego.

Apesar de todo o desgaste emocional e dificuldade em lidar com a sogra, Sabrina sempre se penaliza em deixá-la sozinha. Este ano ainda não está decidido se irão convidá-la novamente. Se for pelo marido, a mãe dele passará sozinha. O coração brasileiro é que sempre acaba amolecendo.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching, novembro 2023

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Histórias de Natal na Alemanha – A tia mal-vinda https://www.brasanha.de/a-tia-mal-vinda/ Thu, 09 Nov 2023 10:03:43 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1179
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Para entender o causo verídico que vou contar, tenho que explicar primeiro a conjuntura familiar no qual ele se enquadra. Esta é assim: a família do meu marido alemão é muito pequena. Ele tem duas irmãs, uma mais velha e uma mais nova. A mais velha tem dois filhos, a mais nova nenhum. A minha sogra tem somente uma irmã, a qual não tem filhos biológicos, somente os enteados, os quais não conhecemos (apesar de ela estar com seu companheiro há mais de 20 anos). O meu sogro não tem irmãos. A grande família, como tios-avós, não contam para o meu marido como família. Esta é a família da mãe dele, não dele, portanto, ele não conhece nem sabe praticamente nada dos familiares das gerações anteriores aos pais.

Dito isso, vamos ao causo: tudo começou no verão deste ano, quando nos encontramos com meus sogros e a minha sogra expressou a vontade de organizar uma festa de família, ou seja: eles, os filhos, netos, nora, genros E a irmã dela com seu companheiro. A reunião familiar, entretanto, não aconteceu por falta de organização ou interesse.

Eis que, conversando com a minha sogra por telefone em meados de outubro, já planejando as festividades natalinas, que serão na nossa casa, eu soltei essa: “eu tive uma ideia agora! Já que o encontro familiar com a tia não deu certo, porque não a convidamos para passar o Natal conosco?”

Meu marido que estava ao meu lado, quase saltou do sofá e gritou um belo e alto NÃO enquanto a minha sogra do outro lado da linha dizia: “pelamordedeus, de jeito nenhum!!” e continuou: “Eu gosto da minha irmã, mas não consigo conviver com ela por muito tempo. Por algumas horas para tomar um café ou dar um passeio, tudo bem, mas mais que isso já é demais!” E continuava se justificando sem eu pedir explicação: “Não me leve a mal, mas a gente não se entende muito bem. Convidá-la para o Natal acabaria com a nossa confraternização, eu iria ficar muito estressada.” Ao meu lado, o meu marido concordava com a mãe e balançava a cabeça afirmamente.

“Eu aprecio muito a tua boa vontade em juntar a família e ter pensado na minha irmã, mas vamos achar uma outra oportunidade, não no Natal.”

Desligamos o telefone e eu disse para o meu marido: “No Brasil ninguém nunca manifestaria sua opinião em relação a um parente desta forma. Deixar de convidar alguém para o Natal é um insulto”.

Ao que o ele respondeu muito calmamente:  “Pois ela não vai se sentir insultada, já nunca passamos o Natal juntos. Ela nem espera um convite desses. Além disso, não há nada de errado em evitar o convívio com pessoas com as quais não nos entendemos, já nos poupa de uma série de aborrecimentos.”

Conclusão da história: nada como o pragmatismo alemão.

PS. sobre esta mesma tia já contei um outro causo, no qual ela nos desconvidou para sua festa de aniversário:  https://www.brasanha.de/o-desconvite/

Larissa d’Avila da Costa, Gilching novembro 2023.

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Comida à mesa https://www.brasanha.de/comida-a-mesa/ Fri, 26 May 2023 18:46:33 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1163
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Estava conversando com a minha mãe no telefone quando o meu marido disse: “o jantar está quase pronto. 2 minutos”. Eu disse a ela: “mãe, daqui a pouco vou ter que desligar. O Christian já avisou que o jantar estará pronto em dois minutos”.

Minha mãe caiu na risada: “dois minutos nem existe no Brasil. Que engraçado” e gargalhava no telefone.

Meu marido ouviu e começou a sorrir. Dois minutos cronometrados no timer. Nem mais nem menos, quando apita, temos que estar sentados à mesa, esperando a comida ser servida.

O Christian é alemão e gosta de cozinhar. Cozinha maravilhosamente bem. Tomou gosto com a mãe dele, aprendeu as receitas de família, aprimorou as técnicas e prepara comida brasileira melhor que eu. O que não é tarefa difícil, diga-se de passagem, dado o fato que eu detesto cozinhar.

Como ele sempre se esmera ao cozinhar, ele espera que apreciemos a refeição como se deve, respeitando também o trabalho que ele teve para prepará-la. Assim que, ao avisar a família que a comida está quase pronta, ele espera que nós estejamos sentados à mesa, esperando a comida ser servida.

E ao servi-la, temos que esperar que todos a tenham no prato, inclusive o cozinheiro, para só então desejarmos bom apetite e começarmos a comer todos juntos. E isso todos os dias, sem exceção.

Larissa d’Avila da Costa. Gilching, maio 2023.

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Visita ao hospital https://www.brasanha.de/visita-ao-hospital/ Wed, 01 Feb 2023 16:10:05 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1143
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Às vésperas do Natal de 2022, a mãe do nosso vizinho foi operada às pressas de apendicite. Perguntei a ele sobre o estado da mãe e quanto tempo ela iria ficar no hospital e ele respondeu: „durante todo o feriado de Natal (que na Alemanha vai até dia 26.12)“.  Então questionei se ele ou a irmã iriam visitá-la nesse período e a resposta foi a seguinte: „Não, ela não quer receber visitas“.

E eu pensei: como assim alguém não quer receber visitas no hospital? Mesmo que não fosse no hospital, numa situação vulnerável, como pode uma pessoa dispensar a visita dos filhos e pessoas queridas, que se preocupam com ela e gostariam de transmitir carinho?

Uma mãe brasileira  exigiria a presença dos filhos, e se sentiria magoada se não recebesse atenção, configurando o extremo oposto da situação.

Visitas em hospitais na Alemanha é um tema que gera um grande conflito intercultural. Enquanto os alemães tem a atitude de respeitar  o limite e a vontade do próximo, os brasileiros tendem a extrapolar esse limite na intenção  de demonstrar carinho e preocupação.

Devo confessar que algumas atitudes dos alemães continuam me surpreendendo, mesmo depois de 20 anos nessa terra. Não tenho explicação para esse comportamento. Das duas, uma: ou a mãe realmente é muito independente e não precisa de ninguém ou ela não quer demonstrar a vulnabirilidade para não atrapalhar os eventos natalinos dos filhos com seus respectivos núcleos familiares. Qual quer que seja a explicação, é muito esquisita.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching dezembro 2022.

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Alemanizada reloaded https://www.brasanha.de/alemanizada-reloaded/ Fri, 11 Nov 2022 11:12:33 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1135
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Em 2022 completei 20 anos na Alemanha e, para comemorar a data escrevi uma restrospectiva da minha jornada em terras alemãs.  Para quem tiver intersse: https://www.brasanha.de/20-anos-na-alemanha-como-eu-vim-parar-aqui/

Pois bem, eis que me encontro no final desse ano e meu dou conta de uma coisa que eu jamais imaginei fazer quando cheguei aqui e que foi um choque cultural enorme na época: planejar com antecedência os finais de semana.

Quando escrevi a retrospectiva no começo do ano, eu procurei anotações e fotos da época e achei uma anotação que dizia assim: „hoje o meu namorado combinou um encontro com um amigo para daqui a quatro semanas. Como isso é possível, planejar a tão longo prazo? Eu nem sei se vou estar viva no próximo final de semana?“. Que lindo comentário inocente… nada sabia eu o que essa cultura faria comigo nos próximos anos da minha vida…

E hoje vos confesso: minha agenda já está com compromissos em TODOS os finais de semana até o final do ano desde o começo de outubro!!! Para mim ESSE é o novo conceito de estar alemanizada!!

Quando li a crônica que escrevi há uns 19 anos sobre o que na minha concepção era estar alemanizada, achei a lista „bonitinha“, um tanto inocente. – aqui o link para a cronica  https://www.brasanha.de/alemanizada/

Além de a lista estar desatualizada (por exemplo, ninguém mais compra revistas com a programação de TV. Naquele tempo meu colega de república comprava) ela foi escrita numa época em que eu não tinha filhos e, portanto, não se compara à carga de choque cultural e adaptação que você sofre nessa nova etapa da vida.

Mas o que me chocou, de fato, foi me dar conta que sou EU quem faço todo o planejamento das atividades e compromissos para toda a familia a tão longo prazo. Meu marido, que é alemão, nem sabe o que tem planejado e só é avisado durante a semana dos planos do final de semana. Claro que todos os compromissos não envolvem sempre toda a família. Tem um final de semana, por exemplo, em que as crianças estão convidadas para festas de aniversários diferentes e em um outro eu e meu marido que temos uma festa para ir. Eu não tenho compromissos o tempo todo, mas tenho que ficar disponivel para os compromissos da família.

Tenho que pensar melhor sobre os novos conceitos de estar alemanizada depois de tantos anos. Uma amiga minha já adicionou: contratar um Haftpflichtversicherung, que é um seguro de danos a terceiros, muito comum aqui na Alemanha. Ela fechou esse seguro depois de 10 anos morando aqui e se achou super alemã.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching novembro 2022.

 

 

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Sinceridade ou falta de tato? https://www.brasanha.de/sinceridade-ou-falta-de-tato/ Thu, 27 Oct 2022 05:00:18 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1118
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„Tolles Profilbild! Du siehst so jung darauf aus, dass ich fragen muss: liegt das an der neuen Frisur oder ist es ein älteres Bild?“

Esse foi o comentário em forma de pergunta que uma amiga minha brasileira recebeu de um conhecido alemão sobre uma foto do seu perfil nas redes sociais. Diz o seguinte: „Excelente foto! Você está tão jovem que eu tenho que perguntar: é por causa do novo corte de cabelo ou é uma foto antiga?“

Não importa quanto tempo você viva na Alemanha, esse tipo de comentário sempre vai te tirar do eixo e te deixar sem reação. O que pensar de um comentário desses? Sinceridade? Querendo dar uma de engracadinho? Ou pura falta de tato? Precisava perguntar isso?

Para nós brasileiros, a respota é óbvia: claro que não precisava ter perguntado. Ou melhor: eu podia dormir sem essa.

Eu realmente gostaria de entender o que os alemães pensam quando escrevem algo assim. Será que eles acham a sacada engraçada, será que eles são tão sinceros que não percebem a falta de tato?

A sinceridade dos alemães é algo que nos choca. Se você faz uma pergunta séria sobre um assunto, não importa se pessoal ou profissional, o interlocutor alemão vai te dar uma resposta honesta. Se a pessoa foi minimamente diplomática, ela te dará uma resposta sincera de uma forma mais leve. Se ela não tem essa percepção, prepare-se para receber uma reposta sincera e direta.

Essa é uma grande diferença cultural entre brasileiros e alemães. Nós tendemos a ocultar a verdade, ou até mentir para não magoar a outra pessoa. Acreditamos que dessa forma estamos sendo cordiais e não vamos ferir o outro com a nossa opinião. Temos imensa dificuldade em expor nossos pensamentos de forma honesta. Se o fazemos, por sua vez, o receptor da informação tem dificuldade em lidar com uma opinião crítica. Não aprendemos nos confrontar com essa atitude, levamos  para o lado pessoal e nos magoamos facilmente. Somos ensinados a ser cordiais e submissos.

Acostumar-se com a honestidade alemã é um processo longo e doloroso.  É difícil para nós separarmos opiniões sinceras de ofensas, crítica de uma situação geral de uma crítica pessoal. Às vezes os alemães criticam alguma situação e nós já pensamos que estão NOS criticando, levamos para o lado pessoal. É uma linha muito tênue, que leva muitos anos para decifrar.  Quando perguntados sobre alguma coisa, os alemães dificilmente darão uma opinião mentirosa. Eles realmente vão falar o que pensam, alguns de uma forma mais gentil, outros de forma mais rude.

O duro é você receber comentários como esse sem nem sequer ter perguntado por ele. Nessas situações é que fica difícil para eu entender o que se passa na cabeça da pessoa ao fazer esse tipo de observação. Eu imagino que ela se ache engraçadinha. Os alemães têm um humor muito sarcástico, muito ríspido. Ou talvez a pessoa tenha tentado, de alguma forma, justificar o elogio feito. Não sei, está fora do meu alcance de conhecimento da mentalidade alemã, apesar dos 20 anos vividos aqui.  Tem algumas coisas que serão para sempre uma incógnita.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching outubro 2022

 

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Menor de idade viajando sozinho na Europa https://www.brasanha.de/menor-de-idade-viajando-sozinho-na-europa/ Tue, 11 Oct 2022 11:38:10 +0000 https://www.brasanha.de/?p=1112
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Meu filho ainda não completou 12 anos e já viajou sozinho três vezes sem a companhia minha ou do meu marido: duas vezes na Alemanha e uma vez na Europa.

A primeira vez foi pouco antes de completar 11 anos. Ele e minha filha foram sozinhos de trem de Munique a Hannover passar as férias com os avós paternos. Foram de trem, 4 horas de trajeto, sem baldeação. Eles estavam munidos de todos os aparatos eletrônicos possíveis, com celular para a comunicação e tablets para a diversão.

Mandamos um documento escrito em casa os autorizando a viajar sozinhos, mas ninguém pediu nada a eles, nem a autorização de viagem nem documento de identificação. Chegando em Hannover, os avós os estavam esperando na plataforma onde parava o seu trem. Na volta de Hannover, também vieram sozinhos, o mesmo procedimento, nenhum controle de documentos, somente a verificação das passagens.

A segunda viagem dele foi através da escola, com um grupo de 4 colegas da turma e dois professores para um campeonato de matemática em Budapeste, na Hungria. Dessa vez foram acompanhados de adultos e a viagem foi organizada pela escola, desde a compra das passagens de trem, até a reserva do hotel e a programação para o final de semana. Os professores que os acompanharam não eram da turma deles, e sim docentes da escola, os quais não conhecíamos. Eles foram numa sexta-feira e voltaram no domingo no final do dia.

Mesmo sendo uma viagem dentro da União Europeia (atravessaram duas fronteiras), ainda assim não foi necessário nenhum tipo de autorização para eles viajarem desacompanhados dos pais e nem sequer pediram documentos de identificação durante todo o trajeto de ida e volta.

A mais recente viagem dele faltando um mês de completar 12 anos é uma excursão de três dias com toda a turma para um albergue da juventude numa cidadezinha à 150 km de onde moramos. Dessa vez a viagem foi de ônibus com toda a turma, acompanhandos de dois professores e três jovens de séries mais avançadas. Esse tipo de excursão escolar é normal na Alemanha e é oferecida a todos os jovens a partir da 6ª serie como parte do currículo escolar para incentivar a independização da criança.

Como eu encaro tudo isso? Bem, se eu não estivesse de acordo, não o teria mandado de trem com a irmã para Hannover há um ano. Soltar o filho não é uma tarefa fácil, mas é necessária. Exige confiança e maturidade dos pais e filhos. Exige confiar na educação e nos valores que você ensina a ele. Exige confrontar-se com o fato de que seu filho nasceu para o mundo e que seu papel é orientá-lo para lidar com as adversidades e para que saiba ponderar as escolhas.

O que eu acho estranho e, infelizmente não tenho uma explicação baseada na lei para acrescentar, é que menores de idade possam viajar totalmente desacompanhados ou sem nenhum tipo de autorização para viajar acompanhados de terceiros dentro da União Europeia. É um fato que me deixa intrigada e que eu não sei como a polícia lida com o rapto e tráfico de menores.

Voltando ao ponto de vista pessoal, eu sou da opinião que devemos dar chances aos nossos filhos de aprender com suas próprias experiencias e confiar que eles são capazes de enfrentar e solucionar situações que lhe são desafiadoras ou adversas. É muito gratificante vê-los orgulhosos em ter superado situações novas e a satisfação de acompanhar essa jornada tão linda que é o crescimento e amadurecimento de um ser humano.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching outubro de 2022.

 

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