Muita gente me pergunta se os alemães são frios no comportamento social. Eu sempre os defendia, dizendo que eles não são frios, são reservados, e, ao contrário de nós, não cumprimentam com beijinhos, abraços e tapinhas nas costas uma pessoa que não seja realmente amiga. Cumprimentar com um aperto de mão um adulto desconhecido eu até que não achava ruim, mas uma criança a coisa já muda.
Pois aqui cumprimenta-se as crianças igualmente com um aperto de mão. Pode ser a criança mais fofa, sorridente, loirinha de olhos azuis, simpatica e tal, filha de amigos, que não vai mudar a situação: todos os adultos a cumprimentarão com um “hallo” e um aperto de mão. Nada de beijinhos muito menos amassos. E se a criança não quiser dizer oi para o visitante, não haverá aquela insistencia como no Brasil: “dá um beijinho na titia!”, ou no caso, aqui na Alemanha seria: “vai apertar a mão da titia!”.
Porém, o episódio que me indignou (e já aconteceu mais de uma vez com o meu filho de quase dois anos) foi o do dia em que eu fui levá-lo a primeira vez a creche, e, o modo como a senhora que cuida dele nos recebeu foi, o que eu descreveria como “frio”.
Meus pais estavam presentes na ocasião e eu fiz questão que eles nos acompanhassem no primeiro dia do meu filho rumo à independencia do lar. Meu filho estava de mão dada com o meu pai quando a senhora desceu as escadas. Ela cumprimentou-me com o tradicional aperto de mão, depois voltou-se para o meu filho e lhe estendeu a mão. O pequeno, que nada entende desses assuntos de etiqueta, deu-lhe a mão esquerda, pois com a direita segurava a mão do meu pai, e a germanica senhora lhe disse sem piedade: “A outra mão. Voce deve dar a outra mão.” O meu filho, como não percebeu o que estava acontecendo, seguiu como estava, e ela, depois de hesitar alguns segundos, pegou-lhe na mão esquerda para o tradicional cumprimento.
Isso aconteceu também com o nosso vizinho, que, apesar de ser muito simpático, não deixa de chamar-lhe à atenção quando ele estende a mão errada para o cumprimento.
Agora… se voce acha isso demasiado frio para os padrões brasileiros, é porque ainda não sabe do “top” da boa etiqueta ao cumprimentar. Contou-me uma amiga brasileira, a qual veio para cá há poucos meses, e tem uma filha de quatro anos, que está no jardim de infancia. Pressupõe-se que as crianças maiores já saibam saudar com a mão direita. Mas isso não basta. Além de a criança ter que estender a mão certa, ela tem que olhar nos olhos da pessoa que está cumprimentando. Essa amiga contou que a sua filha dá a mão como manda o figurino, mas como é muito distraída e curiosa, nem sempre está concentrada no ato, e fica olhando para os lados. Pois não é que a educadora lhe chama à atenção, gira-lhe a cabeça na sua direção e faz aquele sinal com os dois dedos nos olhos dela depois nos da criança, tipo: estou de olho em voce. Pode??
Contei esses episódios a duas amigas alemãs da antiga Alemanha Ocidental (eu moro na antiga DDR, ou seja, ex-Alemanha oriental, e as diferenças de mentalidade ainda são notáveis) o comentário das duas foi o seguinte: “isso é coisa de Ossi (“ossi” é um apelido pejorativo aos residentes da antiga DDR), que prezam ainda muito pela ordem e disciplina. Eu nunca vivi isso com meus filhos nesse lado da Alemanha. A minha filha tem quase cinco anos e ainda não sabe que mão deve estender e ninguém nunca ligou para isso.“
Pesquisando na internet, há muitas mães com esse problema na educação dos filhos e há vários foruns de discussão a respeito. Perguntas como: “voce acha certo a educadora da minha filha obrigá-la a dar a mão e olhar nos olhos para o cumprimento matinal ou na despedida?” . Há inúmeras opiniões sobre o assunto, algumas mães dizem que não acham certo obrigar a criança, mas creem ser de bom tom ensinar as regras de etiqueta e educar a criança a olhar a pessoa nos olhos na hora de cumprimentá-la. Para quem tiver curiosidade e souber alemão, aqui estão os foruns de discussão sobre o tema:
Além disso, achei também uma página que dá dicas sobre o assunto, dizendo, basicamente, que é importante ensinar a criança a regra de etiqueta e tentar faze-la cumprir o ritual para não passar por mal educada.
http://www.hilfreich.de/kinder-knigge-hoefliches-gruessen_6200
Ensinar as regras sociais a criança tudo bem, fazemos isso com nossos filhos no Brasil também, tanto que, insistimos para que a criança de um beijinho na tia, no tio, nos avós, mas tratar as crianças com tanta disciplina a ponto de obrigá-la a olhar nos olhos ou de dar a mão correta, convenhamos, é demais.
Disciplina do antigo regime comunista ou não, uma coisa é certa: nada de afofar crianças alemãs!
Larissa d’Avila da Costa, Dresden, novembro 2012