Quanto mais tempo eu moro na Alemanha, mais convencida eu fico de que somos educados e cerimoniosos demais. Sempre temos receio de abusar da boa-vontade alheia, de causar incômodo ou desconforto para os outros. Por isso, suportamos, muitas vezes, os encargos pesados de dar conta de tudo sozinha. Para quem vive sem a rede de apoio familiar e os serviços terceirizados do Brasil, sabe do que eu estou falando.
Muitos alemães, por sua vez, não têm essa preocupação de abusar da prestatividade de terceiros.
Estamos em férias escolares de Páscoa e Patrícia recebeu a seguinte mensagem da mãe melhor amiga alemã da sua filha:
– Olá Patricia, a sua filha está com tempo nesta terça-feira para se encontrar com a minha para elas brincarem à tarde.
– Olá Nadine, está sim.
– Ahh, que bom. Então você pode vir aqui buscar a Frida porque eu e meu marido estamos trabalhando e a avó não tem carro para levá-la na sua casa? Depois eu e meu marido vamos sair, você poderia trazê-la de volta?
Patrícia já sentiu um cheiro de cilada, mas, em prol da amizade da filha e com toda a boa-educação brasileira, vestiu a máscara de palhaça e foi buscar a menina na casa da avó.
Chegando lá, a menina entra do carro de Patrícia com uma mochila. Surpresa, ela indaga:
– Frida, por que você trouxe uma mochila?
– Porque eu vou dormir na casa de vocês.
Com a máscara dupla de palhaça, chocada com o episódio e tentando entender o que estava acontecendo, Patrícia voltou para casa com a menina, sua mochila e não teve coragem de escrever para a mãe alemã dizendo que o combinado era outro e que a menina não poderia pernoitar na sua casa.
Resumo da história: sejamos mais diretos e desavergonhados para recusar o que não nos convém, porque se não, a alemoada abusa sem dó nem piedade da gentileza alheia.
Larissa d’Avila da Costa, Gilching abril 2025