Tempo de reclusão, manter a sanidade mental e de trabalhar com crianças em casa. Tarefas nada fáceis, por isso meu post vai em forma de considerações curtas feitas ao longo dessa fase de confinamento, já que não estou conseguindo escrever textos mais complexos.
• Considerações sobre a minha pessoa:
1. Eu estou impressionada com a minha capacidade de resiliência e de manter a calma em situações de conflito.
2. Eu detesto cozinhar. Para quem me conhece isso já é notório, e agora torno público nesse post. Simplesmente não tenho vontade, nem criatividade para cozinhar todos os dias.
3. Eu não tenho didática nem paciência para ser professora. Isso também eu já sabia e agora ficou claro.
4. Eu até que me saio bem no quesito gerenciamento de conflito entre os membros da família, mas, depois de três semanas de confinamento, estou chegando no limite.
5. Eu, definitivamente, não tenho saco para trabalhos manuais artísticos que durem mais que cinco minutos.
6. Eu não consigo trabalhar com as crianças em casa. Posso até me concentrar por um certo tempo, enquanto elas estão quietas, mas o trabalho não rende. Por isso esse post será de frases curtas.
7. Eu preso muito o silencio e minha liberdade.
8. Meu nível de exigência quanto à limpeza e organização da casa foi diminuindo conforme os anos na Alemanha foram aumentando. Em tempos de confinamento o nível já está praticamente no „foda-se“.
• Homeschooling:
1. Definitivamente não optaria por esse modelo de educação para os meus filhos.
2. Dificuldade de motivar as crianças no decorrer do tempo. Primeira semana foi tudo uma belezinha, todos motivados com a novidade. Na segunda semana tive que ter um “papo reto” com as crianças. O discurso foi o seguinte: “nem eu nem vocês queremos estar aqui fazendo isso. Eu não estudei para ser professora e não tenho paciência para ficar aqui o dia inteiro. Então vamos fazer o melhor que pudermos nessa situação e acabar logo com isso.” Funcionou por uma semana. Na terceira semana de homeschooling o discurso foi o seguinte: “se não quiser fazer, problema teu. Eu já aprendi a escrever em português e alemão e já estudei o suficiente na minha vida. Se não fizeres as lições, tu que vais ter que explicar isso a professora e não eu”.
3. O input do professor, a troca entre os alunos é extremamente importante para o aprendizado e motivação das crianças.
4. Nunca subestime a profissão de professor (isso também é notório, mas infelizmente pouco reconhecido no nosso país).
5. Nunca revide a autoridade do professor e ache que o seu filho foi “tratado injustamente”, você nunca sabe o que realmente aconteceu na sala de aula.
• Convivência familiar:
1. As crianças brigam menos no decorrer do tempo. Acredito que, por falta de opção, tem que se aguentar, resolver seus conflitos e brincar juntas para passar o tempo.
2. O pavio para explosões de raiva fica mais curto. Por outro lado, aumenta a necessidade de diálogo e resolução de conflitos.
3. Quanto menos você se mete nas brigas das crianças, melhor. Elas geralmente acham uma solução para seus problemas sozinhas.
4. Usar a comunicação não violenta para dar uma ordem, funciona muito bem. Por exemplo: se o almoço está pronto, mas as crianças estão se divertindo em uma brincadeira, avise dessa forma: “quando vocês acabarem a brincadeira, venham almoçar”. É uma diferença incrível.
• Pequenas novas irritações:
1. Quando o seu marido resolve comer aquela última porção de comida que você tinha guardado para o dia seguinte.
2. Receber inúmeras piadas, memes, vídeos pelo whatsapp, e recebê-las repetitivamente em diferentes grupos e em diferentes idiomas.
3. Cair sempre no assunto do papel higiênico.
• Novas incógnitas:
1. De onde vem a tara da humanidade pelo papel higiênico.
2. Quando teremos tempo de recuperar todos os encontros perdidos.
• Isolamento social: Uma merda. Sem mais.
• Preocupações:
1. Com minha família no Brasil. O medo de eles serem contagiados, medo do que vai restar do nosso país depois que isso tudo passar.
2. Medo da recessão financeira que abalará o mundo e de quanto tempo ela irá durar.
• Tristezas:
1. Em ver a pobreza e falta de estrutura dos países subdesenvolvidos e a dureza com que a epidemia vai atingir toda essa gente.
2. Em ler reportagens sobre o aumento da violência doméstica em lares onde não há estrutura emocional para suportar o isolamento. Pena das mulheres e crianças que não tem para onde correr nem como pedir socorro.
3. Com os milhares de mortos e seus familiares que não têm como se despedir de seus entes queridos.
4. Em constatar que, como sempre, quem mais sofre em qualquer crise são os menos privilegiados.
5. Em constatar que os governos em todo o mundo investem mais em armamentos e estratégias de guerra do que na saúde mundial e nem nunca pensaram, nem investiram ou planejaram em um plano para evitar uma epidemia mundial, apesar da profecia de visionários, como Bill Gates, no discurso do TED abaixo (e outras tantas entrevistas disponíveis no youtube):
https://www.youtube.com/watch?v=6Af6b_wyiwI
• Gratidão:
1. Por eu e minha família sermos parte dos “privilegiados” desse mundo.
2. Pela minha saúde, da minha família e amigos queridos.
3. Por morar num país que oferece condições hospitalares para a população.
4. Por morar numa cidade pequena, com possibilidade de sair de casa e dar longos passeios no campo, por morar numa casa confortável e com espaço.
5. Por ter e conseguir manter minha saúde mental.
6. Por ter filhos sãos e marido que colabora no bom andamento da casa.
• Aprendizados da humanidade durante tempo do Corona:
Muitos dizem que a humanidade aprenderá a respeitar mais a natureza e os outros depois que a crise do Corona passar. Eu, particularmente, não acredito nisso. Creio que a humanidade continuará egoísta, característica intrínseca do ser humano. Depois que tudo isso passar, cada qual vai buscar correr atrás do prejuízo, salvar o que restou, os governos e fundos mundiais injetarão dinheiro na economia, ao invés de investir na saúde e saneamento, e pouco se importará com o recado que a “mãe terra” tentou nos passar. Infelizmente.
• Esperança:
1. De não ficar louca até o final do confinamento.
2. De conseguir vencer o impulso diário de fugir de casa e acampar no mato.
3. De que tudo passe logo e que saiamos dessa valorizando a capacidade de superação dos desafios e da auto-reflexão.
Larissa d’Avila da Costa, Gilching, abril de 2020