Histórias de Natal na Alemanha – Confinamento natalino

Era o primeiro natal de Julia em terras teutônicas e ela foi convidada para comemorar a data com a família do namorado alemão.

A família morava num vilarejo, o qual não tinha acesso com transporte público. A programação natalina era passar sete dias na casa dos pais do namorado juntamente com os irmãos e suas companheiras. Dias sossegados, aconchegantes e em família, pensou Julia quando aceitou o convite.

Chegando lá, a primeira coisa que fizeram foi uma lista de compras e o planejamento das refeições para todos os dias que passariam juntos, pois, como não havia supermercado no vilarejo, teriam que comprar tudo o que precisavam para os dias seguintes na cidade mais próxima e lá não voltariam mais.

Quando Julia viu a quantidade de compras, ficou tranquila, com a certeza de que não passaria fome.

A programação de confinamento natalina era a seguinte: todas as manhãs tomavam café da manhã juntos e, para a surpresa e desespero de Julia, no café da manhã só eram servidas coisas doces como bolos e biscoitos. Um dos bolos tradicionais natalinos da Alemanha é o famoso Stollen, que é tipo um panetone só que bem mais baixo e um tanto quanto seco, geralmente com uva passas. O agravante da situação é que o Stollen servido na família era feito pela matriarca. Portanto, era uma ofensa se alguém o recusasse. Diante disso, Júlia, que, além de não gostar de coisas doces no café da manhã, tinha que comer e elogiar o bolo feito pela anfitriã.

Depois do café da manhã saíam para dar uma caminhada e pegar o tal do “frische Luft”, o ar fresco, sagrado para os alemães. Essas caminhadas ao ar livre são uma cilada para nós brasileiros: os alemães sempre dizem que é uma caminhada “rapidinha, de no máximo 20 minutos” e se alongam por horas. Fora que o “ar fresco” para eles é para nós “ar congelante”, visto que no auge do inverno a temperatura está perto ou abaixo do zero grau.

Além do frio, no seu primeiro passeio Julia logo percebeu o efeito do café no seu intestino. Como a caminhada era pelo campo, ela não teve o que fazer a não ser segurar e esperar chegar em casa.

Chegando de volta em casa, a mãe do namorado punha-se a cozinhar. Julia pensou: “ótimo, daqui a pouco sai o almoço”. Ledo engano, não haveria almoço, a preparação da comida era para a janta.

Como os pratos eram muito especiais e demoravam muito para serem preparados, a cozinha ficava ocupada pela mãe e seus ajudantes toda a tarde. Julia não tinha, portanto, a possibilidade de preparar um lanche. Cogitou sair novamente no frio e procurar uma lanchonete, restaurante, bar, qualquer coisa onde pudesse comprar alguma coisa para comer, mas a única coisa que tinha por ali era um Mc Donalds na saída para a estrada e ela teria que andar uns trinta minutos no frio. Desistiu da ideia e conformou-se em ficar com fome até o jantar.

Na manhã seguinte, Julia engoliu os bolos, mas não tomou café, pensando na caminhada matinal.

E assim passaram-se os dias de confinamento natalino: café da manhã, caminhada, à tarde, enquanto a mãe preparava a janta com alguém da família, os outros liam, dormiam, ouviam música. Havia sempre chá e biscoitos durante a tarde e assim aguardavam a janta, que eram sempre pratos bem elaborados como assados, ensopados, carne de panela.

Então, todos se fartavam de comer e beber para depois jogar algum jogo de tabuleiro juntos. Detalhe: não havia televisão na casa, então o passatempo era mesmo uns com os outros.

No ano seguinte Júlia foi novamente passar o Natal com a família do namorado. Mas desta vez foi prevenida: levou vários chips e lanches escondidos na mala e à tarde trancava-se no seu quarto com a desculpa de ter que estudar e fazia uma boquinha.

Larissa d’Avila da Costa, Gilching, novembro 2023.