Material escolar na Alemanha: a caneta tinteiro

A discussão começou num dos grupos de amigas brasileiras muito queridas, moradoras em terras germânicas, porém em diferentes estados. A pergunta inicial de uma delas, cuja filha entrou na primeira série foi: “me tirem uma dúvida por favor: é comum/normal/tradição as crianças que entram na escola ganharem essa caneta tinteiro (Füller)?”

A primeira resposta que veio foi: “não sei se é tradição elas ganharem, mas elas precisam dessa p#*# na escola. Acho isso tão antiquado!”

A discussão continuou fervorosa nesse sentido. Todas confirmando que sim, as crianças precisam dessa caneta tinteiro, dependendo do estado, já na primeira série, outras a partir da segunda série, mas o fato é que ninguém escapa da famigerada. A opinião das que participavam até o momento da discussão era que essas canetas não são nada práticas, ultrapassadas, que ninguém mais usa e que os alemães são muito arraigados às tradições e não entendíamos por que da insistência no uso dessa caneta.

As participantes com filhos mais velhos, contavam exaltadas  várias situações que já haviam passado por causa das malditas canetas tinteiros, como as crianças chegarem da escola com as mãos manchadas de tinta, a caneta vazar dentro do estojo, a criança ficar procurando a tal da caneta e se recusar a fazer as tarefas com outro tipo de caneta, a não ser a tinteiro.

Eis que no dia seguinte, entrou na discussão uma das amigas, que não acompanhou a conversa no dia anterior. Ela fez magistério no Brasil e veio com a seguinte colocação: “eu tenho outro ponto de vista em relação à caneta tinteiro e à escrita, da época de quando eu estudei psicologia do aprendizado no magistério. O desenvolvimento motor está diretamente ligado ao desenvolvimento psicológico. É importante as crianças se dedicarem à escrita antes de aprenderem a matéria, porque isso ajuda na internalização do conteúdo e constrói outros caminhos neuronais. Por mais que o mundo esteja digitalizado, o nosso centro neurológico ainda não chegou lá. A humanidade vai se desenvolver para se comunicar por telepatia, mas ainda não chegamos nesse estágio e não podemos queimar as etapas. A caneta tinteiro serve para aprimorar a coordenação motora fina, desenvolve a habilidade de sentir a escrita, de como pressionar o instrumento. Eu também sou contra a começar a usar a caneta tinteiro já na primeira série, mas a partir da segunda é uma experiencia interessante para as crianças. Tentem levar essa experiencia pelo lado lúdico, mostrar a criança que existem vários instrumentos para exercer a escrita e que cada um é diferente do outro. O lápis, a caneta esferográfica, a caneta tinteiro, lapiseira cada um tem sua característica, sua textura particular, e isso é que temos que passar para as crianças, para que eles tomem gosto pelo aprendizado e não fiquem bloqueando as experiencias porque ouvem em casa que a caneta não é prática ou antiquada.”

Se você já se revoltou contra a caneta tinteiro e a acha antiquada e desnecessária, tente ver a experiencia sobre um outro ponto de vista, pois o fato é: se seu filho é (ou vai ser) alfabetizado na Alemanha, você não vai escapar da caneta tinteiro, o famoso “Füller”. Então, é melhor tornar essa experiencia mais leve e enriquecedora.

Agradeço as minhas amigas “gatas” pela discussão e pela troca de experiencias nesses muitos anos de convívio em terras alemãs. Aprendemos muito com as nossas trocas de experiencias e assim as tornamos  mais ricas e proveitosas. Esse em especial a nossa querida Rejane Rinaldi Mielitz pelas explicações e por ter acalmado os nossos ânimos.

Larissa d’Avila da Costa

Gilching, setembro 2021