Por mais tempo que você viva num país estrangeiro, e, por melhor que você domine o idioma, sempre haverá uma palavra, uma expressão que você não pronuncia como um nativo e que te denunciará como estrangeiro. Nós, brasileiros, que moramos na Alemanha, reclamamos muitas vezes que os alemães não entendem a nossa pronúnica, por mais que nos esforcemos. Porém, a situação contrária também acontece, a de os alemães pronunciarem alguma coisa em portugues e nós não entendermos. Eis os casos verídicos:
Logo que cheguei na Alemanha comunicava-me em ingles. Um dia fui alugar uma bicicleta numa cidadezinha do interior e, o cidadão, esforçando-se para manter um diálogo, perguntou-me de onde eu era. Diante da minha resposta, abriu um largo sorriso e disse: “Nice!! Beaches! Pêlê!” e eu: „hãnnn?? Pêlê?“ „Yes, football!“ e pensei comigo: „ahh… Pelé! PelÉ lé!“ Os alemães percebem muito pouco a diferença de um „e, é, ê“. É muito difícil para eles pronunciarem essas nuances. E eu, como ainda não havia me dado conta disso, não entendi o que ele estava tentando me dizer.
A historia do Zenna foi a seguinte. Era Natal e estávamos passando todo o feriado (aqui o Natal começa no dia 24, com a ceia, e vai até o dia 26, que ainda é feriado) na casa dos meus sogros. Durante o jantar o meu sogro comentou que havia comprado o DVD do Zenna. Eu ouvi aquilo, mas não dei muita bola, pois as vezes eu desligo dos assuntos que não me interessam. Enquanto tirávamos a mesa, o meu sogro disse: podemos assistir o filme do Zenna. E eu, que ainda não estava interessada no assunto, virei e disse: se voces vão assistir o filme, vou aproveitar e ligar para os meus pais. Ficou um silêncio na sala e eu nem tchum. Fui para a cozinha levar os pratos e o meu marido veio atrás:
Tu sabes que o pai comprou esse DVD por tua causa, né?
É?? Que filme é esse?
Do “Zenna”, o piloto brasileiro de Fórmula 1.
Ahhhhhh… o Seeeenna??? – explicação: os alemães pronunciam o “s” no começo da palavra como se fosse um “z”, eles dizem por exemplo, “zamba” para samba. Além disso, o agravante no “Senna”, é que, em alemão, a vogal antes de duas consoantes iguais, é pronunciada de forma muito curta, e nós não temos essa regra. No caso do Senna, nós damos uma espichadinha no “e”, e, os alemães, aplicando a regra gramatical alemã na palavra brasileira, pronunciam o “e” muito rapidamente. Daí a confusão.
Sim, o “Zenna”, como é que vocês pronunciam?
Seeeenna…. Não temos essa regra da vogal curta.
Esclarecido o mal entendido, logicamente fui assistir o filme do “Zenna” para prestigiar o sogrão.
A terceira aconteceu numa feira, na qual eu trabalhava como intérprete para uma empresa brasileira que produzia plastico. “Zupa” é a pronúncia de “super”, usado como adjetivo. Nós usamos super como superlativo, super bom, super legal, os alemães, além do superlativo a usam também como adjetivo, dizendo simplesmente que alguma coisa é super, quer dizer, legal.
Pois bem, o “causo” foi o seguinte: no último dia da feira, apareceu uma moça alemã perguntando se ela podia levar os rolos de plástico que estavam sobrando, pois ela estava reformando o apartamento e precisava de plastico para cobrir os móveis. Traduzi o pedido para o chefe do estande, que prontamente cedeu. E a moça feliz da vida:
Oh, zupa! Zupa!
O brasileiro, muito zombador, olhou-a muito seriamente entregando-lhe o rolo de plastico e disse em portugues:
Ô minha querida, é muita gentileza da sua parte, mas não precisa não. Eu bem que gostaria, pois já estou há muito tempo fora de casa, longe da minha esposa, mas seria muito contrangedor por aqui. Quem sabe da próxima vez.
A moça me olhou com aquela cara de ponto de interrogação e eu, tendo que engolir o riso, inventei uma tradução mais apropriada com a situação.
Enfim, se alguém puxar conversa com voce sobre o “Pêlê, Zenna”, diga: sie sind “zupa”! (eles são super)
Larissa d’Avila da Costa, Dresden fevereiro 2013