A procissão de São Martino

Se há uma tradição na Alemanha da qual eu não gosto nem um pouco é a tal da „Laterneumzug ou Lichterfest“, explicando: uma procissão para crianças feita no final da tarde, quando já está escuro, com lampiões em homenagem a São Martino, que foi um soldado do exército romano, que, no final de uma guerra, apiedando-se dos pobres, cortou seu manto e distribuiu aos necessecitados.

O motivo do festejo é maravilhoso, e, teoricamente, a comemoração em si é linda: crianças fazendo uma procissão no final da tarde, escuro, com seus lampiões feitos a mão, seguindo um cavaleiro vestido de soldado romano (representando São Martino) e cantando canções em homenagem ao santo.

A realidade, porém, é outra.

Note-se que nessa época do ano no hemisfério norte já é bastante frio. A partir das cinco da tarde já é noite cerrada e o frio aumenta. E é justo nessa hora que a procissão começa.

Os preparativos para o festejo, entretanto, já tem inicio muito antes, com a confecção do lampião. Sim, há lampiões prontos para se comprar, mas os alemães dão muito valor as coisas feitas à mão, portanto, lá vão as mães fazer os tais lampiões. Claro que sempre sobra para as mães, porque as crianças lá pelas tantas ou não conseguem colar os elementos do lampião ou já encheram o saco e foram fazer outra coisa.

As crianças ficam ensaiando as musiquinhas vários dias antes da procissão. Ok, fora o fato de você ficar com a melodia na cabeça, essa parte é bonitinha.

Então chega o tão esperado dia: a procissão de São Martino, a caminhada com os lampiões no escuro. Encontro normalmente as cinco da tarde na frente de uma igreja ou da escolinha. Se houver um cavaleiro, ele se posiciona na frente do grupo, professoras e coordenadoras do festejo atrás, cantando as musicas, a criançada com os pais atrás.

O cortejo começa a andar. O cavaleiro, naturalmente, anda rápido demais para os pequenos e após alguns minutos já não consegue mais ser visto por aqueles que não estão na dianteira.

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As crianças, depois de um curto período de admiração do seu lampião, começam a brincar com o mesmo, agita-lo no ar muito rapido, ou a correr, ou bater no lampião do amiguinho. Pode acontecer de ele se romper facilmente, já que é feito de papel manteiga, e aí, ou a criança chora, ou já quer tirar o lampião da varinha e brincar só com a luzinha que está ali para iluminar o caminho.

Passada a euforia inicial, as crianças pequenas começam a ficar cansadas, choramingam, não querem mais andar. As grandes começam a sentir frio, as mãos ficam frias, vestem-se as luvas, pára, ajeita a criança, acomoda tudo.

E a procissão segue. Nunca vou entender porque fazem um trajeto tão longo para os pequenos. Nessa altura, voce já não vê o cavaleiro há muito tempo. Cantar as canções nem pensar, porque com o balburdio da criançada ninguém ouve as professoras lá na frente. E você tem que continuar caminhando com o frio e crianças cansadas e aborrecidas.

Enfim, e hoje é o dia de São Martino e está chovendo. A procissão deverá ser adiada. Mas com certeza ainda acontecerá. Dessa não vou me escapar, lamentavelmente.

 Larissa d’Avila da Costa, Gilching novembro 2016.